domingo, 22 de agosto de 2010

Quando uma ótima banda se torna uma péssima influência

Radiohead: experimentais que geraram seguidores caretas 
Algumas filosofias orientais acreditam que toda ação carrega em si uma carga de bem e de mal. É um tipo de pensamento que busca enxergar por trás das aparências e dos efeitos imediatos de um ato, analisando desde as reais intenções existentes ali até suas conseqüências a longo prazo e a longas distâncias. De tão intrincada e ampla, essa visão holística de mundo chega a apostar que o bater das asas de uma borboleta no Japão pode influenciar a vida de um cidadão no interior do Mato Grosso. Ou seja, por mais que a nossa boa intenção seja apenas a de conter um vazamento de um cano d’água, podemos, sem saber, estar ajudando a romper as comportas de uma grande represa.

A princípio, um assunto tão místico como esse estaria a léguas de distância do cético e materialista rock’n’roll. Mas, analisando um pouco a história do gênero, notamos que o princípio de bem e mal em uma mesma ação também se aplica ao estilo musical criado por Chuck, Elvis e Richards nos anos 50. E isso faz com que bandas excelentes, algumas até mesmo responsáveis pela ruptura de barreiras em determinadas épocas, sejam exatamente os entraves de outros momentos, por meio de uma influência nefasta em grupos absolutamente sem talento.

Os discípulos de Rolling Stones se ativeram à atitude cafajeste
da banda, em detrimento da boa música
O Rolling Stones é um desses exemplos de banda legendária, que, em contrapartida a sua inegável competência musical, ajudou a criar alguns dos piores monstros - no mau sentido - do rock. Basta ouvir vários grupos de hard rock e glam dos anos 70 e “rockões cafajestes” dos 80’s, que, inspirados pela atitude “bad boy” e o lado pesado da banda de Mick Jagger e Keith Richards, conseguiram a façanha de tornar o rock’n’roll um estilo quase... brega. No Brasil, muitas bandas seguiram essa tendência, como os setentistas do Tutti-Frutti e do Made in Brazil e os oitentistas do Barão Vermelho e do Garotos da Rua, alguns deles fazendo sua música até com certa competência. Mas, no geral, o resultado das bandas influenciadas por Stones é aquém do aceitável, com um rock previsível, de letras quase infantis de tão mal escritas, e componentes vestidos com jaqueta de couro preto e mullets de causar náusea em qualquer pessoa minimamente ligada em estética.

Uma outra excelente banda que gerou filhotes indesejáveis é o Van Halen. Liderada por Eddie Van Halen, um gênio da guitarra tanto em técnica quanto em bom gosto, o VH acabou ajudando a disseminar o que se convencionou chamar de Metal Farofa, com grupos formados por componentes muito ligados ao virtuosismo (e ao visual bizarro de roupas coloridas e cabelos com laquê!!!), mas pouco inspirados. Quer exemplos? Mr. Big, Tesla, Poison, Extreme, White Lion e por aí vai. A cena formada por bandas “poser” e guitarristas super técnicos – apelidados de “punheteiros” – se tornou tão popularmente grotesca no final dos anos 80 e começo dos 90’s, que o próprio Van Halen saiu com filme queimado da história, numa daquelas injustiças que o futuro há de reverter.

Mas a lista de bandas excelentes que serviram de influência para péssimos grupos não pára por aí. De cabeça, posso lembrar de U2 e sua escola de bandas que tentavam ser, ao mesmo tempo, pop e engajadas. Na maioria das vezes, o que se via nos aspirantes a U2 era um discurso político baseado em argumentos fracos e uma música pobre, longe da classe e força propagada pela turma de Bono Vox e The Edge. Outra banda excelente - quase revolucionária - que gerou rebentos chatérrimos é o Radiohead. Por algum motivo, seus filhotes optaram por deixar de lado a inteligência e o lado experimental da banda de Thom Yorke, para se apegar a uma música melosa e arrastada. Talvez o exemplo de rebento do Radiohead (e do U2, também) mais bem sucedido – e chato, na opinião deste que vos escreve – seja a banda inglesa Coldplay. Mas há outros seguidores meio pentelhos que vão desde Howie Day até (o competente, mas meio “over”) Muse.

No Brasil, dois grupos muito bons exerceram péssima influência sobre suas crias: Chico Science & Nação Zumbi e Los Hermanos. Enquanto o primeiro foi responsável pela proliferação de diversos grupos pseudo-folclóricos nas décadas de 90 e 00, apegados superficialmente a tambores e supostas raízes brasileiras, a banda dos barbudos cariocas fez com que um monte de gente achasse que a fórmula da boa música era simplesmente resgatar velhos discos de MPB dos pais e tentar escrever como Chico Buarque. Obviamente, a esmagadora massa de bandas seguidoras dos Los Hermanos acabaram com letras falsamente poéticas e harmonias e arranjos metidos a rebuscados e abrasileirados. O resultado, na maioria das vezes, é uma verdadeira lástima.

Pearl Jam: hors-concours na influência a bandas péssimas
Por último, mas não menos importante, talvez a banda hors-concours em matéria de ser uma péssima influência para as demais é o Pearl Jam. O lado messiânico e pop de Eddie Vedder e seus asseclas criou alguns dos conjuntos mais insuportáveis da história do rock. Basta lembrar de bandas como Nickelback, Creed, Nixon, Hootie & the Blowfish e tantas outras que acharam que bastava imitar o vocal de pato rouco de Eddie Vedder para se fazer sucesso. No meio disso, só uma banda se salvou: o Stone Temple Pilots, que, de clone do PJ, acabou partindo para outras searas e se tornando uma ótima banda.

Num caminho oposto à popularidade, são as bandas mais obscuras que, geralmente, acabam sendo as melhores influências na história do rock. E é por isso que artistas como Muddy Waters, Link Wray, Buddy Holly, Velvet Underground, New York Dolls, Stooges ou mesmo os alemães do Can acabaram sendo as grandes referências para o surgimento de bandas excelentes e até mesmo de movimentos musicais. Uma das explicações para isso talvez seja o fato de os artistas obscuros só serem procurados por gente mais ligada em música, que está tentando escapar das fórmulas fáceis do sucesso.

Por outro lado, jogar a receita de se fazer uma boa banda para esse lado alternativo seria muito simplista. E, convenhamos, muita coisa boa já foi feita em cima de Beatles, Bob Dylan, Talking Heads e tantos outros medalhões do rock - os Stones mesmos foram quase xerocados pelo Primal Scream no começo de carreira -, enquanto muita porcaria já foi influenciada por bandas underground como Pixies e Pavement.

Na verdade, talvez a resposta para essa questão da influência maléfica de bandas boas esteja num plano mais esotérico, mesmo. De alguma forma, em determinadas épocas, alguns artistas excelentes chamam a atenção para a forma como fazem música e passam a servir de matriz para as bandas ruins - as quais, por sua vez, acreditam serem capazes de refazer facilmente aquela fórmula de sucesso. Quase como se fosse um carma, essas bandas ruins vêm trazer à prova o benefício causado à música pelos bons artistas em sua carreira pregressa, numa espécie de balanceamento entre o que seria considerado bem e mal em uma mesma ação.

sábado, 31 de julho de 2010

Revista de música ou revista de músico?














Quando comecei gostar de rock, por volta dos meus 12 ou 13 anos, a principal – e quase única – fonte de informação para um jovem curioso por saber mais sobre seus ídolos eram as revistas musicais. Naquela virada de 1986 para 1987, cerca de quatro anos antes da chegada MTV ao Brasil e quando a internet ainda se confundia com ficção científica, era comum nos depararmos com matérias sobre bandas que, mesmo já tendo ouvido, não sabíamos ao certo de qual país provinham ou nunca tínhamos visto uma mísera foto dos componentes. Por serem as detentoras e, ao mesmo tempo, divulgadoras dessas informações, as revistas acabavam carregando um status de oráculo da música e comprá-las soava quase como uma prerrogativa para se penetrar nesse intrincado universo.

Como me tornei um fã de rock antes mesmo de tocar um instrumento, a revista que mais me atraiu inicialmente foi a extinta Bizz. Comandada durante um bom tempo pelo polêmico jornalista André Forastieri, a publicação paulistana trazia informações sobre bandas estrangeiras e brasileiras, novas e clássicas, abrindo espaço até para assuntos relacionados à sétima arte. Mais do que na música propriamente, a Bizz se focava na cultura pop e em seus bastidores, de forma a atingir um amplo público jovem, fosse este formado por músicos ou não.

Aos 15 anos comecei a tocar guitarra e tomei contato com um outro lado dessa moeda: as revistas que se centravam na disseminação de técnicas e na análise de equipamentos musicais (ex: Guitar Player, Cover Guitarra, Modern Drummer, etc) . Nesse caso, as novidades do showbusiness eram deixadas de lado em prol do incentivo ao aprimoramento dos jovens instrumentistas, ávidos por aprender os macetes e fraseados de seus ídolos. Obviamente, por se tratar de um assunto bastante restrito, essas publicações contavam - e ainda contam – com um público mais reduzido, formado quase que exclusivamente por músicos.

Desde que passei a tocar um instrumento, nunca me resolvi muito bem em relação a essa questão entre ser um cara que gosta de saber as novidades do showbizz ou um músico que está interessado em melhorar a sua técnica. Hoje, com o fácil acesso a blogs especializados e “myspaces” da vida, acabei restringindo a compra de revistas musicais às minhas viagens de avião. E, sempre que estou em bancas de aeroportos, me vejo com a mesma dúvida: adquiro a Rolling Stone, para estar mais por dentro das tendências do mundo pop? Ou fico com a Guitar Player, que talvez me traga mais benefícios como instrumentista?

O engraçado é que, invariavelmente, me arrependo da escolha que faço. Se compro a Rolling Stone, acabo achando meio superficial aquele universo em torno dos bastidores do mundo pop. Em alguns momentos, sinto-me lendo uma revista de celebridades – a única diferença é que todos estão vestidos de roqueiros. Para piorar, depois de alguns anos tocando em bandas, já consigo sacar boa parte das entrelinhas das matérias e resenhas publicadas ali. O fato é que, quando se conhece os jornalistas (pessoalmente ou por leitura, mesmo), sabe-se por que algumas bandas têm mais destaque que outras; sabe-se quando o crítico não entendeu o som, mas está simplesmente copiando uma tendência estrangeira; sabe-se, enfim, o que há por trás da formação da notícia e da estruturação daquela revista.

Abre Parênteses. (Quero deixar claro que essas “tramas” não são uma exclusividade da Rolling Stone brasileira - nesse ponto, talvez a Bizz fosse até pior - nem mesmo do mundo musical. Esse tipo de coisa acontece absolutamente em qualquer meio, seja este político, econômico, publicitário ou “surfístico”. O único ponto aqui é que a música é o MEU MEIO e, por isso, consigo ler mais facilmente o que há por trás da notícia, assim como outros entendem dos bastidores dos meios em que estão inseridos). Fecha parênteses.

Se adquiro a Guitar Player, acabo me incomodando com o excesso de tecnicismo, muitas vezes em detrimento da criatividade e do estilo. Realmente, a minha impressão, ao ler a revista, é que estou conversando com vendedores e luthiers das lojas de música da avenida Teodoro Sampaio, em São Paulo. Não que a visão musical desses profissionais deva ser desprezada – pelo contrário, por ser muito rica, deve ser levada muito em consideração –, mas acredito que a abordagem musical possa ser mais ampla, trazendo variáveis ligadas até mesmo às novas tendências e estilo (algo um pouco excessivo na Rolling Stone, na minha opinião).

Caminhando pela tangente, ainda costumo me deparar nas bancas com a revista Bravo!. De conteúdo mais sério, adulto e refinado, essa publicação costuma buscar abordagens diferentes a temas ligados à música e à arte em geral. O problema é que a Bravo! é intelectualóide demais para o meu gosto. Sei lá, pode ser ranço da minha parte, mas a minha impressão é que o público deles é formado por adultos estabelecidos, com mais de 35 anos, que fumam charuto e tomam vinho em casa toda noite. E eu ainda não quero isso para a minha vida, sabe? De certa forma, as revistas que citei anteriormente ainda trazem um cheiro de cerveja ou refrigerante tomados em porta de distribuidora de bebidas – o que, dentro das minha atuais escolhas de vida, parece ter mais a ver comigo.

O fato é que, mesmo com todas as críticas apontadas por mim, sempre encontro informações legais nas revistas citadas. E, não à toa, mantenho-me consumidor delas. Por isso, sinto-me à vontade para falar de suas características, qualidades e defeitos. Na verdade, talvez o problema nem esteja com as publicações em si, mas com a eterna insatisfação deste que vos escreve.

terça-feira, 1 de junho de 2010

(Não) Enforquem o DJ


Nesta quarta-feira (2), serei um dos DJs convidados da Toranja, evento noturno que rola semanalmente no Balaio Café, na comercial da 201 Norte. Segundo Ricardo Gas, que produz a festa em parceria com Carol Wootmann e Ivan Bicudo, tocarei entre meia-noite e uma da manhã. Os outros dee jays convidados desta edição são: João Paulo Práxis (guitarrista da banda Nancy e jornalista), Gustavo Bill (ex-Lo-Fi, engenheiro eletricista, produtor musical e dono do estúdio Macaco Malvado) e Eduardo Jobim (historiador, professor-filósofo e aficionado por música), além próprio anfitrião Gas (historiador, pensador, blogueiro e DJ).

O playlist que preparei reúne de The Cure a War; de Happy Mondays a Screaming Blue Messiahs, de Replacements a Arrested Development; de Phoenix a Sugababes - e muito mais. Ou seja, estilos variados e música sacolejante para dançar (e pensar?!!!!).

Mas lembrem-se: não sou DJ profissional, hein!!! Digo isso porque já ouvi muita gente gritar “Hang the DJ" (Enforquem o Disk Jóquei, em bom português) – expressão presente na música Panic, do The Smiths -, enquanto me ouviam colocar som amadoramente nas festas de amigos.

A Toranja é um dos eventos noturnos mais legais da noite brasiliense, reunindo num mesmo ambiente: ping-pong de alto nível, rock de qualidade e um saudável clima de azaração (para os solteiros, obviamente). E tudo isso de graça, bem no meio da semana.

O recado então tá dado. Aguardo vocês lá na Toranja!!!

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Tão longe, tão perto


Sabe aqueles artistas que você assiste na TV e acha que nunca vai ter a oportunidade de ver de perto? Pois bem, talvez por um complexo terceiro-mundista, sempre achei que existia uma espécie de abismo entre mim e as grandes bandas internacionais das quais era fã. Parte dessa visão, certamente, se deve ao contexto no qual comecei a gostar de rock: os inflacionários anos 80, época de desvalorização da moeda nacional, em que até a vinda ao Brasil (diga-se, para o eixo Rio-São Paulo, com raras exceções) de bandas do segundo escalão, como Gene Loves Jezebel e Mighty Lemon Drops, era motivo de comemoração.

O passar dos anos – e dos planos econômicos – me mostrou que às vezes esses músicos internacionais podem estar mais próximos do que imaginamos. E, quase que num golpe do destino, oportunidades inusitadas de assisti-los aparecem em nossas vidas, de forma bem menos glamourosa do que poderíamos supor. O tal abismo, subitamente, se torna um minúsculo buraco na terra, a ponto de constranger o fã que sempre se acostumou a ver seu ídolo muitos degraus acima do seu humilde patamar.

Brasília, no último final de semana, abrigou dois casos emblemáticos de shows internacionais em lugares, digamos, peculiares. A banda nova-iorquina Living Colour se apresentou na última sexta (14), no Cine Drive In, local que, como o próprio nome entrega, nunca foi muito tradicional nem adequado para eventos musicais. Se, por um lado, o show arrebatador fez lembrar a competência da banda em seu auge, o pequeno público presente – eu chutaria umas 200 pessoas – contrastava com os tempos em que o grupo de funk metal americano tinha moral com a crítica e se apresentava para grandes platéias ao redor do mundo. Para se ter uma idéia, a primeira vez em que o Living Colour veio ao Brasil foi para tocar na edição de 1992 do festival Hollywood Rock. No último dia 14/5, porém, a outrora popular banda tocava para meia dúzia de gatos pingados, numa espécie de buraco underground brasiliense.

Outra situação inusitada foi apresentação do guitarrista sexagenário Johnny Winter no sábado (15), no aniversário de 25 anos do Ferrock, festival que aconteceu na cidade-satélite de Ceilândia, a 26 km de Brasília. Tratava-se da primeira vez que a lenda da guitarra fazia turnê pelo Brasil, mas acredito que poucos fãs brasilienses do guitarrista preveriam que a oportunidade de assisti-lo seria nos arredores da Capital Federal – e ainda mais, por apenas 2 kg de alimento como entrada. O balanço do evento acabou sendo bastante modesto também: apenas cerca de 500 pessoas consideraram válida a troca de alimentos por ingresso para ver o grande ídolo do blues, que chegou a dividir o palco com Jimi Hendrix.

Não foi a primeira vez que eventos peculiares como esses aconteceram em Brasília. No começo desta década, o ex-guitarrista do The Police, Andy Summers, se apresentou ao lado do jazzista brasileiro-argentino Victor Biglione na praça de alimentação do Conjunto Nacional, shopping popular de Brasília, situado ao lado da Rodoviária. Vejam bem: Andy Summers foi integrante de uma das bandas mais famosas dos anos 80, tendo a oportunidade de se apresentar nas grandes arenas do mundo. E, de repente, o ex-The Police estava tocando na praça de alimentação – permitam-me repetir: PRAÇA DE ALIMENTAÇÃO – do shopping cuja elite brasiliense evita freqüentar. Se o som de Summers e Biglione não fosse considerado hermético, diria que o caso do guitarrista do Police seria de extrema decadência. De qualquer forma, é no mínimo engraçado ver o show do ex-parceiro de Sting circundado pelo McDonalds, pela loja de CDs Discodil e pelo restaurante Torre de Pisa.

Indo para uma seara bem mais alternativa, a banda norte-americana Fugazi fez dois shows no Teatro Garagem, em meados dos anos 90. OK, o grupo-símbolo da resistência punk/indie ao mainstream estava acostumado a tocar em locais pequenos, mas não deixa de impressionar o fato de aquelas apresentações em Brasília contarem com um público tão reduzido - se bem me lembro, o preço do ingresso estava salgado à época, o que colaborou para esse fracasso de bilheteria-, a ponto de os presentes começarem a pedir músicas para o líder da banda, Ian MacKay. Realmente, naqueles tempos áureos do grunge, nunca se imaginou assistir de uma forma tão exclusiva a uma banda de renome da cena underground como o Fugazi.

Poderia enumerar outros vários exemplos de shows em que os artistas internacionais acabaram se aproximando bem mais do que qualquer fã brasileiro poderia esperar. Da lista rápida que elaborei, lembrei-me das apresentações: da banda franco-espanhola Mano Negra no Gate’s Pub (DF); do ex-vocalista do Iron Maiden, Paul Dianno, no pub UK Brasil (DF); da líder do Pretenders, a vocalista-ativista Chrissie Hynde, fazendo participação especial no show da Orquestra Imperial, no Circo Voador (RJ); do surfista-cancioneiro Jack Johnson nas areias do Posto 9, em Ipanema (RJ); dos grunges seminais do Mudhoney tocando em uma roda de violão com os membros da banda pernambucana Supersoniques na praia de Serrambi (PE); do baixista inventor da técnica slap, Larry Graham, fazendo uma ponta no show do jazzista Stanley Clark, no Teatro Nacional (DF); das milhares de vezes em que os ídolos da disco music Gloria Gaynor e Billy Paul vieram ao Brasil, tocar em diversos lugares de gosto bastante duvidoso.

Portanto, se você é fã de alguém muito famoso hoje em dia, não desanime: num futuro próximo, é bem capaz de você estar assistindo a um show do Bono Vox ou do Thom Yorke bem de perto, num local não muito valorizado de sua cidade.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Teclado: o "patinho feio" do rock











Antes de ser guitarrista, quase fui um tecladista. Eu sei, essa é uma confissão meio embaraçosa de se fazer para quem hoje empunha o instrumento-símbolo do rock. Mas, nos áureos tempos da minha infância, estimulado pela presença de um pequeno sintetizador Casio VL-Tone em meu lar, cheguei a sonhar em ser uma espécie de novo Jean Michel Jarre (e poder tocar com teclas de raio laser em palcos de todo o mundo). Sorte minha que, em determinado momento da minha trajetória musical, uma guitarra "pau de rato" Jennifer e um pedal de distorção tosqueira caíram em minhas mãos, livrando-me de um futuro de preconceitos e dificuldades dentro do rock.

Sim, porque, se existe um instrumento malvisto no gênero musical criado por Chuck Berry e seus asseclas, esse instrumento se chama T-E-C-L-A-D-O. Não sei exatamente quando tal preconceito surgiu e nem tive muito tempo de pesquisar, mas que atire a primeira pedra quem nunca ficou impaciente com as primeiras notas do solo da versão ao vivo de Light My Fire, do The Doors. — Que saco! Tira essa música chata aê!!! — já ouvi muitos amigos gritarem, torcendo o nariz para as belas notas empunhadas pelo tecladista cool Ray Manzarek. E o que dizer dos longos e virtuosos solos do maestro tecladista Jon Lord, do Deep Purple? Talvez tenham sido os trechos musicais mais xingados e/ou questionados da história do rock, mesmo que, muitas vezes, durassem apenas a metade do tempo das frases palhetadas pelo guitarrista e parceiro de banda Richie Blackmore. Discípulo de Lord, o mago Rick Wakeman foi outro que, por conta de suas longas e intrincadas composições, chegou até a ganhar uma dedicatória-protesto na música Short Songs, dos punks Dead Kennedys, que continha apenas um verso: I like short songs (traduzindo: eu gosto de músicas curtas).

Fazendo uma análise bem superficial, diria que parte do preconceito com os tecladistas se deve, contraditoriamente, à sua rica e tradicional formação musical. Ora, se o rock é um gênero em que a visceralidade e a atitude são muitas vezes mais valorizadas do que a própria música, o teclado acaba sendo um símbolo de caretice nesse universo onde os excessos são idolatrados. E, no próprio palco, convenhamos, enquanto o vocalista, o guitarrista, o baixista e o baterista estão se movimentando e "batendo cabeça", o que está fazendo o tecladista? Tocando sentado — ou em pé, mas parado como um poste —, geralmente, olhando com cara de entediado para os seus parceiros de banda se divertirem. Com tamanha desvantagem em termos de atitude, não há fã juvenil que volte de um show de rock dizendo: — Papai, quero ser tecladista.

Lembro que, na minha adolescência, quando o punk rock estava no topo da minha predileção musical, fiquei super decepcionado ao assistir a um show do The Clash na TV, no qual a banda contava com um tecladista de apoio. O pior é que o cara era filmado exatamente na hora em que suas mãos bailavam do começo ao fim das teclas, demonstrando um virtuosismo incompatível com os meus ideais na época. Lamentei profundamente a presença daquele tecladista em meio aos meus ídolos do The Clash e demorei a perdoar aquela escolha equivocada feita pela minha banda predileta.

Tentando compensar esse lado — desculpem-me o termo — "bundão" do teclado, a indústria de instrumentos musicais até tentou buscar alternativas, como a invenção nos anos 80 do teclado em formato de guitarra, para dar mais mobilidade e "radicalidade" ao instrumentista. No entanto, por ser adotado principalmente por grupos pop (no Brasil, o conjunto Polegar talvez seja o exemplo mais conhecido), o teclado-guitarra logo virou motivo de piada entre os músicos e a própria platéia, o que o levou a cair no ostracismo. Na década seguinte, os integrantes de grupos como EMF e Jesus Jones também tentaram dar uma nova roupagem ao teclado: agora, ele vinha em cores fosforescentes e era jogado para cima durante todo o show, por tecladistas com visual modernoso (para a época). Mas essa nova tentativa de "desencaretar" o teclado também naufragou, haja vista que, em meio a uma excessiva preocupação com a estética, os tecladistas dos grupos EMF e Jesus Jones se esqueciam do básico: tocar o instrumento.

A ascensão da música eletrônica nos anos 90 trouxe o teclado para um novo patamar: o instrumento passou para frente do palco, sendo tocado por componentes tão drog... quer dizer... cool quanto os guitarristas, baixistas e bateristas dos grupos de rock tradicionais. Além disso, os excessos cometidos em termos musicais ao longo das décadas anteriores — solos gigantescos nos anos 70 e timbres emulando (de forma tabajara) instrumentos reais nos 80’s — foram substituídos por execuções mais discretas e espertas. A palavra de ordem passou a ser “camadas”, numa referência às várias gravações de teclado ou sampler presentes em uma música, sempre discretas e criadas para dar um clima na faixa.

Boa parte das bandas de rock atuais já agregam essa nova ordem do teclado concretizada pela música eletrônica. Hoje, a participação do instrumento nas composições é bem mais comedida e o teclado já não representa tanta tradição e caretice como anteriormente. De qualquer forma, boa parte do preconceito ainda persiste e não estranhe se, num belo dia, você estiver ouvindo uma música repleta de teclados e for censurado por amigos, que, simplesmente, não aturam o som desse instrumento tão rico, mas, ao mesmo tempo, tão pouco compreendido no rock.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Watson lança disco de estréia neste sábado


Ajudando a divulgar:

Neste sábado (1º de maio), a banda brasiliense Watson faz show de lançamento de seu primeiro CD. O evento será no Conic, a partir das 16h, com ENTRADA FRANCA. Além do show do Watson, que tocará todas as músicas do álbum, alguns covers e contará com participações especiais (estou entre elas), haverá apresentação do grupo Pedrinho Grana & Os Trocados e discotecagem das festas Criolina, Toranja, Play! e Cansei de Ser Cult. Apareçam lá.

domingo, 18 de abril de 2010

A incrível dificuldade de um blogueiro em "entender" shows históricos














No último sábado (17/4), o cantor e compositor norte-americano Jonathan Richman, ex-líder do Modern Lovers, se apresentou no Circo Voador, tradicional espaço de shows do Rio de Janeiro. A apresentação era cercada de espectativa por boa parte dos fãs brasileiros de música alternativa , por se tratar da primeira visita de Richman ao País. Para quem não conhece, o Modern Lovers, banda formada no início dos anos 70 na cidade de Boston (EUA), está na base da árvore genealógica do punk rock, influenciando artistas das mais variadas sonoridades e magnitudes: de Ramones a U2; de Talking Heads a Sex Pistols e The Clash; de Blondie ao indie rock moderno. Além disso, Richman é aquele cancioneiro que narra a — e aparece cantando na — comédia arrasa-quarteirão "Quem vai ficar com Mary?", dirigida pelos irmãos Farelly em 1998.

Em contraponto à notoriedade da atração da noite, apenas umas 50 pessoas estiveram presentes no show de Jonathan Richman — acompanhado do baterista Tommy Larkins — no Circo Voador. De passagem pelo Rio, eu estava entre os "felizardos" que puderam conferir uma apresentação que, de tão intimista, ganhou imediatamente uma aura de clássica. Afinal, não é todo dia que se pode assistir de perto e de forma tão exclusiva uma figura de tamanha relevância para a história do rock. Para se ter uma idéia, em determinado momento o público começou a pedir músicas para Richman, que ficava decidindo qual pedido deveria atender. O ídolo punk estava ali, do nosso lado, tão tocável e real quanto uma banda iniciante de uma cidade do interior.

A despeito dessa aura clássica, o único problema foi a qualidade musical do show: abaixo da média. O que se via ali em cima do palco era quase uma improvisação, com Richman puxando uma música no seu violão de nylon e Larkins tentando acompanhá-lo na bateria. Em determinados momentos, o ex-líder do Modern Lovers se afastava do microfone para dançar ou tocar percussão, impedindo que os espectadores ouvissem tanto o som do violão quanto o de sua voz. Obviamente, quem conhece a carreira solo do cantor sabe que o esquema é mais ou menos esse, mesmo: meio largado musicalmente, com foco nas letras e na performance tresloucada de Richman. De qualquer forma, não é muito interessante ver um cantor mudar, no meio da música, o tom de uma composição de sua autoria, como se a estivesse tocando errado até aquele momento. Esse lapso (ou faz parte do show?) não aconteceu uma vez apenas, mas várias. Cheguei a ouvir Richman, durante uma canção, falar consigo mesmo ao microfone: — A little bit higher (traduzindo: Um pouco mais alto) — para , a partir daí, subir em um tom a canção, para que ficasse mais adequado à sua voz.

Ao longo do show, muitos pensamentos me vieram à cabeça. O primeiro foi: — Será que as pessoas presentes na platéia gostariam daquelas composições, caso não soubessem que elas eram do ícone Jonathan Richman? Tipo assim: se o pai de um fã de indie rock lhes desse de presente um CD com aquelas canções meio latinizadas (algumas são cantadas em espanhol, italiano e francês), sem contar quem era o seu compositor, talvez a maior parte do público achasse aquilo meio esquisito. Também criei uma conversa imaginária com David Byrne e Jerry Harrison, ex-integrantes do Talking Heads (banda chapa dos Modern Lovers), em que eu começava assim: - Fui a um show de Jonathan Richman no Brasil e achei meio estranho. E um dos ex-membros do Talking Heads responderia: - Haha. Richman surtou nos anos 70 e ainda não voltou à normalidade. Às vezes, até me preocupo com ele. Minha terceira elocubração (como arremedos de conclusão) daquela noite foi pensar em como as super produções, de uma Beyoncé ou uma Madonna da vida, muitas vezes são importantes, mesmo que em alguns casos possam recair em certa frieza. Afinal, a partir do momento em um artista sobe ao palco, ele assume uma espécie de compromisso com o público de lhe conceder um espetáculo ou, ao menos, entretenimento. O punk rock (e o próprio Richman) quebrou esse padrão mainstream, mas, às vezes, é saudável recorrer a ele, só para dar uma equilibrada no excesso de largação e informalidade na relação público x artista.

Diante de tantos questionamentos em meio a um evento de público reduzido, senti-me impelido a baixar a cabeça sempre que tinha vontade de bocejar durante o show, para não "ferir os sentimentos" de Richman. Tudo bem que nos momentos em que tocou hits de sua carreira solo e dos Modern Lovers, como Pablo Picasso, I Was Dancing in the Lesbian Bar e She Cracked (ele não tocou o grande sucesso Roadrunner), a coisa até deu uma esquentada. Mas, na maior parte do tempo, o que prevalesceu foi algo aquém de uma apresentação aceitável do ponto de vista musical. Certamente, outros espectadores hão de discordar da minha opinião meio conservadora, até porque Jonathan Richman sempre simbolizou a figura do anti-herói. A postura de ser contra — ou, simplesmente, não ligar para — o sistema começa um pouco nele e nos Modern Lovers e, mesmo com todas essas...digamos...deficiências sonoras, o show desse sábado no Circo Voador foi, no mínimo, singular - provavelmente, "o mais singular" de toda a minha vida.

Essa dificuldade de "entender" apresentações históricas e clássicas me remete ao show que o Nirvana fez no Brasil, em 1993, no Hollywood Rock. Compareci à apresentação do grupo de Kurt Cobain na Praça da Apoteose, no Rio de Janeiro, certamente uma das mais emblemáticas que já presenciei na vida: Cobain rastejou no palco, cuspiu para as câmeras de TV, ironizou o patrocinador do festival e ainda colocou seu "bilau" para fora da calça. De qualquer forma, não foi um dos melhores shows, no sentido musical da coisa, a que assisti na vida. Em certo momentos, devo confessar, achei-o até entediante. Umas das minhas lembranças mais fortes desse dia é a de Flea, baixista do Red Hot Chilli Peppers, tocando um trumpete muito chinfrim e fora do tom no hit "Smell Like Teen Spirits" - o que, obviamente, estragou a música.

Na saída do show do Nirvana, lembro-me de conversar com um crítico musical do jornal O Globo, que, empolgado, disse acabar de sair de uma apresentação clássica. Meio desanimado, eu discordei dele, sem entender como um show sem qualidade musical poderia ser considerado tão histórico assim. Hoje, depois da morte de Cobain, e, principalmente, após um punhado de shows nas costas (como espectador e músico), compreendo melhor a visão daquele jornalista. De fato, nem sempre é a música que define o grau de importância de um show. De qualquer forma, talvez por uma falta de noção histórica, ou um excesso de compromisso com a música, ou mesmo uma posição mais conservadora diante da vida, ainda trocaria um par de apresentações históricas por um mero show ordinário, mas bem acertado musicalmente.